A morte no mundo doente pelo dinheiro

Renan Vicente da Silva
2 min readNov 19, 2021
Criança Morta, 1944 Candido Portinari Óleo sobre tela, c.i.d. 190,00 cm x 180,00 cm.
Criança Morta, 1944; Candido Portinari; Óleo sobre tela, c.i.d. 190,00 cm x 180,00 cm. (reprodução: Wikipedia)

Começo com uma pergunta: o que é a morte? Uma questão que ecoa pelos tempos, mas sem respostas ou quase incompletas pelas mais diversas religiões. Não possuo qualquer pretensão em chegar nem perto de alguma resposta. Anseio questionar pela sua existência no mundo do dinheiro. Qual seu valor entre tantas vidas? Esse desconforto despertou em mim após sentir as mais de 611 mil histórias brasileiras apagadas pela pandemia. Em detrimento de outras mortes consideradas mais significativas. De pessoas que alcançaram algum estrelato-midiático. E como esses morreres promoveram intensas comoções e emoções. Diante da invisibilidade diária de outras centenas e milhares. Qual é o valor da morte?

As tristes mortes de Paulo Gustavo e Marília Mendonça provocaram lutos coletivos. Como sentimos fortemente nesses últimos tempos. Com bastante amplificação pelas mídias sociais e tradicionais. E infelizmente essas mortes foram utilizadas para ganhos de audiência em vários programas. Já que essas pessoas conseguiam envolver uma enormidade quantidade de pessoas nas suas criações e canções. Sendo essa verdadeiramente a capacidade da confluência artística, tão asfixiada em nosso país adoecido. Um ponto em comum dessas mortes além da figura pública, está principalmente na idade. Vivemos num certo mito intrínseco do neoliberalismo que nos comovemos mais pela mortes jovens, pois ainda conseguem se vender pelo dinheiro. Em contrapartida, choramos pouco pelas mortes anciães. Não são mais consideradas populações economicamente ativas. Se não fazem dinheiro, são descartáveis. É uma lógica semelhante que paira nas vidas negras sem direito de respirar. Ao não sermos humanos ao olhar capitalista, somos coisas mortas. Sem qualquer sensibilização morremos diariamente. Não recebemos nenhuma coroa de flores. E ainda pagamos para sermos minimamente encaixotados nos caixões mais baratos. Até na morte existe uma desigualdade racial-social.

Outras cosmovisões apresentam sentidos para a morte que rompem com essa escravidão do dinheiro. Os povos originários possuem uma diversidade de compreensões e ações diante do morrer, em suas variadas etnias indígenas. No caso dos Yanomami, os corpos são queimados num ritual conjunto em suas aldeias. Além de outros processos materiais-espirituais. Assim como, podemos observar nas manifestações religiosas afro-diaspóricas. No cortejo do corpo-morto pelas ladeiras do Pelourinho até a última morada. Somos moldados na origem por nossa mais velha Nanã, orixá da sabedoria-divina. E recebidos com alegria por Oxalá, orixá da vida, na terra de Orum em nosso último respirar. A morte é uma transformação espiritual-encantada. Em que nenhum dinheiro é capaz de intervir. Porém, muitos continuam pagando suas sepulturas e covas na intenção de possuírem um pedaço de terra para apodrecerem seus corpos. Sem qualquer lembrança das suas existências extraordinárias. É preciso renunciar dessas mortes sem sentido. Somos divindades-encantadas.

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Niterói, 19 de novembro de 2021

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